Greg Gilbert - Contra a música

Eu acho que o meio evangélico inteiro deveria suspender todo tipo de música instrumental, e apenas recitar salmos em seus cultos de adoração – pelos próximos dez anos*.

Desde que me tornei presbítero em uma igreja local, me assusto com o quanto muitos cristãos são dependentes de certo estilo musical, ou de certo nível de excelência na música. Quantas vezes você ouviu alguém dizer, por exemplo, “eu não consigo louvar naquela igreja”? Ou “eu simplesmente não me sinto conectado a Deus ali”.

É claro que pode ter alguma coisa errada acontecendo lá, mas acho que muitas vezes, se você espremer declarações como essas, o que encontra por trás de tudo não é muito diferente de “eu não gosto da música dali”. Pessoas não expressam dessa maneira clara, provavelmente porque se você fizer isto, parecerá ridículo. Mas penso que isso é o que muitos querem dizer quando dizem: “eu não consigo adorar ali”. A realidade é que um piano armário sozinho simplesmente não consegue fisgar suas emoções tanto quanto uma banda completa. Eles não conseguem aquele “sentimento transcedente”, então ficam desencorajados e terminam dizendo que “não conseguem adorar”.

Eu me pergunto se todo aquele fenômeno da “excelência na música de louvor e adoração” que vimos nos últimos anos – apesar de todo bem que tem feito – também não gerou uns efeitos inesperados nos jovens cristãos. Me pergunto se não criou uma geração de místicos funcionais, que medem seu relacionamento com Deus por experiências emocionais, ao invés da realidade objetiva da redenção.

Quando eu era um aluno do ensino médio, fui em algumas poucas conferências Passion, quando elas eram realizadas no Texas. Foram experiências formativas e maravilhosas para mim. John Piper me “reformou” em um sermão bombástico em Romanos 3, e isso – de uma forma ou de outra – moldou a trajetória da minha vida desde então. E a música era excelente – verdadeiramente maravilhosa em todos os sentidos. Nós cantávamos alto, com as mãos para cima, os olhos fechados e cheios de lágrimas algumas vezes, e acredito que adorei a Deus durante tudo isso.

Mas então voltei para New Haven, Connecticut. As equipes de louvor se foram, eu não tinha o grupo de pessoas que tinha me acompanhado e compartilhado aquela experiência, e as igrejas tinham um piano e trinta pessoas cantando hinos de Isaac Watts. Isso me forçou a aprender como soltar fogos de adoração com verdades e palavras, e não apenas com música excelente. Eu aprendi como ser influenciado emocionalmente pelas palavras excelentes dos hinos, quer eles fossem tocados e cantados “excelentemente” ou não.

Existe uma geração inteira de jovens lá fora, agora, que não são emocionalmente influenciadas pelas palavras, cujos fogos só são disparados quando essas palavras são acompanhadas por grandes ritmos, instrumental habilidoso, e um certo clima familiar que tipicamente acompanha o “louvor-e-adoração” cristão. E o resultado disso é que você vê jovens pulando de igreja em igreja pela cidade, e um dos critérios principais para a compra é “a adoração”, embora muito frequentemente eles queiram dizer “a música”. Você tem jovens cristãos se sentindo desencorajados porque – a despeito do fato de que eles estão sob a pregação fiel da Palavra domingo após domingo – dizem que não se “sentem próximos de Deus” há muito tempo. Talvez haja alguma coisa importante acontecendo aqui. Mas também existe uma boa chance, eu diria, de que eles apenas não tiveram uma boa dose de endorfina desde o último congresso em que estiveram.

Estou realmente preocupado que tenhamos criado uma geração de cristãos anêmicos, que são espiritualmente dependentes de música excelente. Seu senso de bem-estar espiritual é baseado em sentir-se “perto de Deus”, seu sentir-se próximo a Deus é baseado em sua “capacidade de adorar”, e ser capaz de adorar depende de grandes multidões cantando ótima música.

Para piorar, pense em quantas brigas e divisões em igrejas estão enraizadas em discordâncias sobre música. Pessoas deixam as igrejas porque não gostam da música. Cristãos que acreditam exatamente nas mesmas coisas sobre Jesus adoram em prédios vizinhos porque não podem aceitar o estilo musical do outro. Igrejas se dividem porque uma facção quer música “contemporânea” e outra quer música “tradicional”. A questão não diz respeito às palavras; diz respeito a como as palavras são cantadas, e com que instrumentos. Isso até tem seu próprio nome – “os conflitos de adoração”¹, que quando traduzido com um pouco de honestidade, significa realmente “os conflitos de música”.

O ponto decisivo, suponho, é que cada cristão deveria fazer uma busca honesta em seu coração sobre o que o faz se sentir “perto de Deus”. Você pode se sentir próximo de Deus só por ler ou dizer as palavras “Em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”? Você seria capaz de participar de uma igreja que é ótima em tudo, exceto na música? Se não, você provavelmente precisa pensar um pouco se sua vida espiritual é dependente de algo da qual ela não deveria ser dependente.

Algumas questões

Pensei em oferecer algumas poucas questões que nos ajudariam a considerar se permitimos que nossos corações se tornassem muito dependentes da música para nossa sensação de bem-estar espiritual. Por favor, não trate isso como um teste da Capricho ou algo assim. Eles não são um checklist; não tem uma pontuação no fim. Todas as questões nem mesmo são necessariamente direcionadas a todas as pessoas; nem todas serão úteis a você. Algumas são direcionadas para pessoas que particularmente não gostam da música em suas igrejas. Outras para pessoas que amam a música que ouvem na igreja toda semana. Essas questões também não pretendem ser exaustivas; elas não tratam disso sob todos os ângulos concebíveis. São apenas algumas poucas questões que, espero, talvez ajudem você a pensar. Talvez você tenha outras que te ajudem a checar seu próprio coração.

Uma última coisa: novamente, não estou desejando aqui uma vida cristã sem música, ou uma vida cristã com menos música, ou mais tranquila, ou mais simples. Eu amo música; acredito que fomos criados como seres musicais. Na verdade, se fosse forçado a escolher, pessoalmente, preferiria música contemporânea a outro estilo. Bob Kauflin e o ministério Sovereign Grace, por exemplo, estão fazendo algumas das músicas mais maravilhosas, que honram a Deus e exaltam Cristo, disponíveis hoje, e gosto de ouvir e cantar suas canções, seja em minha igreja, em algum outro evento, ou mesmo repetidamente em meu iPod.

Portanto, eu acho que a música é uma coisa boa, até uma coisa ótima. Mas, tudo que é bom nesse mundo pode e será mal utilizado por seres humanos pecadores. E acredito que é algo que merece reflexão entre os cristãos quando se trata de música. Minha esperança é que essas questões, e os pensamentos que elas provocam em você, te ajudarão a guardar sua vida espiritual de se tornar perigosamente dependente de algo do qual você não deveria ser dependente. Espero que elas sejam úteis a você:

1. Você fica entediado quando alguém lê uma longa passagem da Escritura em sua igreja? Você começa a desejar que eles cheguem logo na música?
2. Você precisa de música tocando ao fundo para que a leitura da Escritura afete suas emoções?
3. Uma oração parece muito “simples” ou “seca” para você, se não tem música tocando por trás dela?
4. Você se sente deprimido algumas semanas depois de uma conferência de louvor porque você não se sente próximo de Deus há muito tempo?
5. Você desesperadamente aguarda a próxima conferência porque você sabe que, finalmente, conseguirá se sentir próximo de Deus novamente?
6. Se você pertence a uma grande igreja com ótima música, você é capaz de adorar quando visita seus parentes numa pequena igreja rural?
7. Você já se sentiu adorando no meio da semana, no trabalho, na escola, etc. só porque pensou sobre Deus e sua graça? Ou isso só acontece quando a música está tocando?
8. Você tende a se sentir mais próximo de Deus quando está sozinho com seu iPod que quando está reunido com o povo de Deus em sua igreja?
9. Você se sente como se simplesmente não pudesse se conectar com outros crentes que não tiveram as mesmas “experiências de adoração” que você teve? Você só consegue se conectar com outros crentes que “sabem o que é realmente adorar”?
10. Sua sensação de bem-estar espiritual é baseada mais em sentir-se próximo de Deus, ou saber que você está próximo de Deus por causa de Jesus Cristo?

---
* Eu estou brincando com o título desse post e a suspensão da música, é claro. A Bíblia nos diz para cantar. Deus nos deu a música precisamente porque afeta nossos corações e emoções, e isso é algo bom. Mas tudo o que é bom pode e será mal utilizado por seres humanos pecadores. Meu sentimento é que a “música excelente” se tornou um tipo de ídolo. Não, nós não adoramos isso. Mas muitas pessoas precisam disso para adorar, e isso pode ser bem ruim. Música é parte de nossas vidas como seres humanos; em certo sentido, seremos sempre dependentes dela. Mas como vejo, existe ampla evidência lá fora que sugere que, para muitos cristãos, a dependência se tornou perigosa.

¹ Nota do tradutor: O termo no inglês é Worship Wars. Acredito que não temos um termo no Brasil para esse tipo de conflito dentro da igreja.

Fonte: Ipródigo.

Um comentário:

  1. Graça e Paz,

    Obrigado pela excelente reflexão

    Postei este texto na integra no meu blog

    http://reformamonergista.wordpress.com/2010/11/29/greg-gilbert-contra-a-musica/

    Deus vos abençoe,
    Fábio Silva

    ResponderExcluir

A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

Ficamos felizes com suas críticas, sugestões, complemetos ou correções. Apenas pedimos que seja mantido o respeito e cordialidade.